Quero falar com vocês em estado de urgência das coisas que precisam ser ditas. Hoje, durante uma longa conversa com a companheira, onde nos desfazíamos em reclamações de nossas condições mentais e anseios, ouvi dela uma frase que imediatamente despertou em mim uma necessidade de escrever.
E vou contar para vocês, pessoas envolvidas com ideias semelhantes, que sempre, em algum momento deixam palavras de angústia e também medo. Entendo todos vocês, não por viver na pele o que vivem, mas por viver na minha pele experiências similares a de cada um de vocês.
Os perrengues são inúmeros. Pagar contas, trabalhar para sobreviver, estudar, ler, escrever, amar, ser amadx, produzir, consumir, viver, doer, adoecer e morrer. Mais outras inúmeras coisas que podem nos acontecer, ou acontecer aos que amamos, a nossa volta. Sei como é isso, sei também que não é exatamente isso. Só posso afirmar que sei, porque posso usar minha “carteirada de tempo que vivi” para dizer com certeza sobre isso.
Quando eu pensei em montar esse site, algo dentro de mim clamava esperança, algo gritava em desespero. Eu sei o que era. Eu identifico minhas causas, mesmo que eu diga que não. Precisava estar numa terapia ou buscando ajuda profissional, mas decidi me virar, como fiz esse tempo todo, onde sobrevivi para contar. Longe de mim querer parecer que sofri horrores semelhantes aqueles que vivem com fome, em zonas de perigo ou guerra. Não, pelo contrário. Minha vida foi até muito tranquila comparada a deles, mas eu vivi meus problemas e ainda os vivo.
O objetivo dessa carta/texto/manifesto é conversar com cada um de vocês e falar sobre essas coisas que constantemente carregamos dentro de nós, que nomeamos e muitas vezes não temos nome para expressar, mas que vou chamar apenas de “problemas”, para generalizar e abranger mais casos. É algo que nos perturba todos os dias, da hora que acordamos até a hora que dormirmos. Sonhamos e temos pesadelos com elas. Nossa vida de medo, desejo, ansiedade se dá apenas por um motivo e, ao contrário do que pregam os COACHs filhos de uma pedra, ele é externo.
Nossas vidas estão moldadas à sociedade que vivemos. Às coisas que precisamos fazer para sobreviver dentro e fazendo parte dela. A nossa sociedade ensinou para cada um desse grupo (ou do planeta), que devemos ser produtivos. Que devemos trabalhar. Que devemos ralar que nem uns putos do inferno para sermos reconhecidos como “pessoas”. Para não sermos chamados de vagabundos, nem coça saco, nem indigentes, nem de bandidos ou muito menos de um simples “à toa”.
Acordamos e vamos dormir devendo isso a alguém. Eu pergunto: A QUEM DEVEMOS ISSO? Eu não quero que você acorde de manhã e corra para tomar o seu café, para que você saia cedo para trabalhar. Eu não quero que você deixe de ficar com quem você gosta para ganhar dinheiro suficiente para pagar suas contas, comprar sua comida, comprar suas roupas, ou mesmo seus livros. Quem quer que você NÃO seja um “vagabundo” é a sociedade capitalista consumista que você vive.
“Ok! Grandes bostas! E o que você quer que eu faça? Que eu pare de trabalhar e me preocupar? Que eu saia da sociedade e sobreviva numa ilha?”
Não, eu não quero NADA, mentira, eu quero MUITAS e muitas coisas. Mas uma das coisas que eu não quero é SER ESCRAVO desse mesmo sistema que nos deixa assim todos os dias: AFLITOS! Ou você não está assim nesse momento? Por que se você não estiver aflito nesse momento, ou você está bilionário (o que te faria ficar aflito para conseguir cada vez mais e mais), ou você não percebeu que está (desculpe te fazer ficar assim).
Respondam pra mim: que dia na vida você acordou tranquilo sabendo que não precisaria se preocupar com contas ou com o que iria comer? Que dia você sentiu que poderia fazer o que mais gostasse, sem pensar que no mês seguinte você precisa ter também aquele X de dinheiro para pagar o aluguel, a luz, a água, o gás, a internet, o plano do celular, comida, roupa, livro, viagem, lazer, algo para alguém, algo para si mesmo como um óculos, um dentista, um médico e etc?
Quem está de saco cheio de viver para alimentar a máquina de desigualdade?
Você estudou o que gosta? Você trabalha com o que gosta? Você precisa trabalhar? Você precisa estudar? Por que é que eu não posso viver lendo? Escrevendo? Brincando? Namorando? Coçando a cara#&a do saco? Por que é que eu tenho que ser obrigado a fazer o que querem que eu seja obrigado a fazer? Por quê????
Não existe um só dia da minha vida que eu não pense numa coisa ruim. Mesmo que seja um dia que ganho livros. Mesmo que seja um dia que meu filho diz que me ama. Mesmo que seja um dia que nada, absolutamente nada, aconteça de errado. Meus dias NÃO SÃO MEUS. Minha vida não é minha. Mesmo agora, quando decido que eu quero viver lendo e escrevendo o resto dos meus dias, nada disso é meu. Porque eu nunca terei um momento de paz pensando no que vou comer no dia seguinte. Porque nunca vou parar de sofrer por antecedência, pensando nas merdas que preciso (SOU OBRIGADO) a fazer para continuar existindo.
Eu não posso fazer o que eu quero. Não me é dado esse direito. PRODUZIR podia muito bem SER ALGO QUE EU FAÇO SÓ POR MIM e não por mais ninguém. Eu amo escrever, amo criar, amo compor, amo fazer algo que saia de dentro de mim. Mas nada disso pode ser feito sem a pressão externa de que eu devo isso a alguém. “Malditos artistas vagabundos que não fazem nada.” – Quem diz isso é aquele mesmo babaca que NÃO VIVE sem TV, sem Celular, sem um entretenimento.
Eu sempre me vi como artista de alguma forma. Comecei desenhando quando eu era criança. Lendo quadrinhos e pensando em heróis. Depois tocando. Sonhando em viajar o mundo fazendo shows. E sempre, desde que aprendi a escrever, eu escrevo. Crio histórias. Aquelas mesmas histórias que todo ser vivo racional é capaz de pensar. A diferença é que eu as escrevo. Eu as construo num papel/documento. Eu ordeno palavras e notas musicais e traços e linhas e faço isso virar arte. Mesmo que essa arte seja algo que agrade somente a mim, eu ainda assim a chamo de arte.
Essa carta/texto/manifesto é meu desabafo, das coisas que penso e guardo calado, das coisas que grito em momentos de raiva, das minhas lutas internas comigo mesmo de poder me expressar sem ficar apavorado com o “E DEPOIS?”.
Ao mesmo tempo, pondero que, sem todas essas malditas responsabilidades que somos obrigados a viver, eu seria capaz de escrever e me expressar? Minha arte é parte da minha insatisfação como membro dessa sociedade capitalista desigual? Será que eu seria um satisfeito funcionário público de uma sociedade comunista igualitária? Será que eu não me dedicaria a criar ou imaginar histórias se meu mundo fosse mais justo? Eu acredito que, independendo do que eu seria, o mundo tinha que ser menos bosta. Ele é grande e rico demais para que UNS TENHAM TUDO e OUTROS NADA.
Eu sou artista, eu sou escritor, eu sou músico, mas eu não quero viver para alimentar a desigualdade desse sistema. Eu vivo em função do que quero fazer, não do que me obrigam. TODAS AS COISAS QUE FAÇO FORA DO MEU INTUITO ME SÃO IMPOSTAS. Trabalhar é um novo nome para obrigar alguém a merecer existir. Merecer é mera condescendência de minha parte. Somos escravos desse LIXO de sistema. Só respirarei em paz e aliviado quando vivermos numa sociedade que valorize seus indivíduos e não os escravize. O mundo precisa OBRIGATORIAMENTE SER MAIS JUSTO com todas as pessoas e não só com as que podem. Eu VIVO nesse mundo desigual. Sou PARTE dele. MAS NÃO VIVEREI UM SÓ DIA DE MINHA VIDA SEM DESEJAR QUE ESSA DESIGUALDADE SEJA DESTRUÍDA.
Meus textos e minhas ideias são todos feitos de esperança, mas cada palavra suada e sangrada da minha mente é carregada de um só significado, justiça.
interessante